5.5.08

O início do escuro

Era tarde da noite e chovia muito. A babá dormia no sofá da sala enquanto o cachorro latiu muito do lado de fora da casa. De castigo, sem videogame, nem televisão, ele estava deitado em sua cama olhando para as sombras que as árvores do jardim projetavam em seu teto. A mãe deveria ter chegado as onze horas do hospital mas alguma emergência talvez a tenha feito ficar até mais tarde no trabalho.
O relógio cuco da sala piou meia noite. A babá virou para o lado esquedo e roncou em dó maior. Dezenove anos, cabelos loiros, saia curta e com o casaco do namorado do time de futebol. A babá era uma típica babá de filme exceto pelo filete de baba que escorria pelo canto de sua boca.
Foi quando ele escutou um barulho vindo de um dos cantos da casa. Levantou da cama e continou ouvindo o barulho de batidas na madeira. Vinham da biblioteca do pai.
O pai morreu há 4 anos, quando ele apenas tinha seis e começava a entender o sentido paterno na sua vida. A biblioteca era a maior lembrança de que um dia havia um patriarca naquela casa. Suas oito prateleiras de três metro de altura, centenas de livros empilhados e muita recordações daquela ex-vida que uma dia ele teve.
O menino abriu a porta da biblioteca no exatamo momento em que um relâmpago iluminava a casa. Um susto. Aquele lugar lhe trazia lembranças mas ainda lhe inspirava muito medo. As máscaras, espadas e esculturas espalhadas pela sala lembravam da morte misteriosa de seu pai na floresta. Enterro de caixão fechado.
Ele deu cinco passos para dentro da sala, iluminada pelo poste de luz lá fora, quando viu o livro negro caido no chão. Nunca havia o notado antes. Sua capa preta e suas páginas também pretas pintadas em letras na cor prata realmente chamavam a atenção para passarem batidas nas prateiras. Algo chamava mais atenção ainda. Era o único livro caido no chão e não havia espaço vazio em nenhuma das prateleiras.
Começou a procurar ao seu redor para ver se algo explicava aquele livro ali quando reparou no quadro do seu pai. Um quadro enorme que ficava em cima da escrivaninha, que antes mostrava o pai em sua foto de professor de faculdade mas não agora. O pai gritava e se debatia dentro da moldura tentando gritar algo. O menino congelou de medo enquanto os trovões caiam. Depois de passado o susto inicial, se aproximou do quadro enquanto o desespero de seu pai no quadro aumentava. Finalmente conseguiu ler em seus lábios:
-Corre!
Foi quando ele viu uma delas pela primeira vez. Olhou para trás e de dentro de livro uma criatura sai de suas páginas tal como fossem um alçapão. Era parecido com um lobo todo negro, feito de sombras. Saia pouco a pouca das páginas do livro e arranhava com suas garras o chão de madeira. Congelado, o menindo não conseguia fazer nada, nem gritar, nem correr. Foi quando o monstro pulou para cima dele.
Os dois cairam em uma das paredes. O menino lutava para escapar das patas da criatura que cortavam suas costas. Foi quando ele sentiu algo cair de seu lado: o sabre militar de seu pai. O menino rolou para o lado quando o lobo tentou morder sua cabeça com um braço agarrou a arma e a enfiou no peito do monstro, que depois de urrar, simplesmente se desfez em cinzas no ar.
As costas do menino sangravam bastante. Levantou-se usando como apoio a parede quando olhou de volta para o livro.
Cinco daquelas criaturas estavam ao redor das páginas negras olhando para ele com seus olhos prata e flamejantes. Apavorado ele correu para porta e a fechou pelo lado de fora. A porta se debatia pelo lado de dentro. Ele foi andando de costas apavorado quando sentiu o batente da janela. Não pensou duas vezes. Pulou da janela do segundo andar e caiu no meio do jardim cheio de lama. Correu para perto da casa do cachorro quando ouviu o barulho da porta da biblioteca quebrando.
De dentro da casa a babá gritava.
O cachorro latia.
Chovia muito lá fora.

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